Franquia vale a pena? Veja como funciona na prática em 10 pontos
Conheça os ônus e os bônus de estar à frente de uma unidade e saiba de que forma a franqueadora pode ajudar em toda a jornada do negócio Na teoria, fazer parte de uma rede de franquias minimiza os desafios que uma pessoa encontra à frente de uma empresa. Os erros e os acertos da marca e das unidades servem de base para aprimorar o negócio. Não se trata, contudo, de reduzir a zero os problemas, já que cada empreendimento é único, com seus clientes, fornecedores e parceiros naquele território.
Conheça a seguir como são, na prática, áreas e processos e de que forma a franqueadora pode colaborar, caso haja algum imprevisto.
1. Ponto de venda
Durante a pandemia, o que se via eram empresas fechando e uma proliferação de pontos comerciais vagos. O valor da locação caía, inclusive em shoppings. O cenário mudou. Cidades grandes e pequenas enfrentam hoje uma situação muito distinta, segundo Fabiana Hamada, sócia-diretora da consultoria Goakira Design: está mais difícil achar um ponto.
Com um estudo de geomarketing em mãos, algumas vezes disponibilizado pela própria franqueadora, o candidato a franqueado tem um mapa do bairro e até da melhor rua para o estabelecimento. Mas o imóvel perfeito não está vago. Ou, diz a consultora, não tem a metragem ideal combinada ao menor custo de reforma. Ou, ainda, encontrado o local dos sonhos, o valor do aluguel é proibitivo e interfere na sustentabilidade do negócio. Vale lembrar que, em abril de 2024, o metro quadrado comercial teve a maior alta mensal (1,11%) desde novembro de 2013, segundo o índice FipeZap.
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O jeito é negociar com a marca um tempo maior para essa procura – e, quem sabe, o apoio dela no mapeamento de opções. E ter calma para fazer uma análise cuidadosa do lugar em que a empresa vai estar pelos próximos anos.
Medir expectativas e trabalhar com o melhor cenário, não o perfeito, ajuda. Não se trata de fazer uma escolha ruim, mas de entender que “talvez o fluxo de pessoas não seja o ideal, mas pode ser também que você esteja numa rua paralela que também tenha um bom fluxo”.
2. Reforma do espaço
Encontrar um local que não precise de ajuste acontece, mas está longe de ser regra. Se não é a mudança das instalações elétricas, é uma alteração estrutural. Tem ainda uma possível repaginada na área externa, para a valorização da fachada, e a decoração interna, para oferecer o melhor ambiente ao consumidor.
Nessa hora, diz Pedro Almeida, diretor da consultoria Multiplicando Sucessos, “tem sempre um primo, um irmão, um cunhado [que é] arquiteto, engenheiro, mestre de obras ou pedreiro”. São bons profissionais, mas sem a experiência de uma reforma de ponto de franquia.
Por que isso interfere? No fim das contas, afirma o consultor, “o franqueado gasta cerca de 60% a mais do que deveria com a obra, pois deseja fazer o melhor. A intenção é boa mas, muitas vezes, o bolso não acompanha o desejo, e ele investe muito além [do que deveria]”.
Quando o desembolso na reforma é superior ao previsto pela franqueadora, o primeiro impacto é no tempo de retorno do investimento, que se alonga. O mesmo acontece nos casos em que a duração da obra se estende – o imóvel já está alugado, mas não há entrada de receita.
A orientação de Almeida é contatar franqueados atuais da marca e entender como foi o processo para eles e “se a franqueadora tem esse know-how para oferecer”. Caso ela não acumule o conhecimento para fazer e a equipe para realizar o serviço, diz ele, “não invente”. “Deixe a obra ou reforma para quem entende do assunto e foque seu tempo em aprender sobre o negócio.”
3. Treinamento de equipe
É frequente que o franqueado não tenha experiência no segmento ou na administração de uma empresa. Assim, tanto ele quanto a equipe têm de passar por capacitação para entender processos gerais e práticas específicas. A máxima, como diz Andrea Oricchio, sócia do escritório AOA Advogados, é treinar, treinar e treinar, antes da abertura da unidade, e corrigir com o erro, “que infelizmente é a melhor forma de aprender”.
Há uma primeira etapa, usualmente teórica, que pode ocorrer de forma presencial ou virtual. É quando os funcionários têm contato com a história e a proposta da marca e conhecem sua cultura, seus valores e sua política.
Na sequência, vem a parte prática, com a integração da equipe e a apresentação dos processos. É aí que os conhecimentos são colocados à prova, por meio de simulações e exercícios. Para os franqueados ou as pessoas que estarão à frente da operação, o foco também é o desenvolvimento de habilidades de gestão e de liderança.
Oricchio conta que muitas redes destinam um consultor de campo para acompanhar a equipe nos primeiros dias. Pode ser, por exemplo, que na segunda-feira ninguém entre na loja – é uma oportunidade de mexer no estoque. Na terça, no entanto, é possível que os clientes apareçam em peso – e, nesse caso, os procedimentos são outros.
Terminou? Não. O treinamento da equipe deve ser contínuo – até porque boa parte das pessoas contratadas antes da inauguração costuma se desligar da empresa ainda no primeiro ano. Manter o padrão de qualidade e a motivação dos funcionários são indispensáveis.
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4. Abertura da unidade
Franqueados costumam apostar em soft opening, uma abertura voltada somente para família e amigos. Assim, entre pessoas mais próximas, é possível identificar lacunas no treinamento, problemas no sistema ou falhas na entrega – e corrigi-los, com uma rede de apoio e sem o estresse de ver algo sair da linha no dia a dia.
Com procedimentos azeitados, é a hora de fazer a inauguração oficial, que, muitas vezes, ganha ares de evento solene. “Em cidades pequenas, o prefeito e o padre são convidados; em shoppings, o superintendente vai”, conta Arlan Roque, diretor de expansão da Cacau Show e autor de Empreendedores de Coração: Histórias de Superação e Perseverança de Franqueados de Sucesso.
Na avaliação de Eduardo Santinoni – que acumula experiência como sócio-fundador da Y Consultoria e como franqueado –, esse é um dos momentos mais importantes na relação entre franqueadora e empreendedor. As expectativas estão nas alturas para abrir as portas da melhor maneira possível. “Se eu começo com uma implantação muito ruim ou pouco cuidadosa, o franqueado já está lá embaixo nessa jornada emocional”, diz ele, acrescentando: “Já vi gente que não quis abrir a unidade [por problemas na relação com a marca]”.
O que pode acontecer na inauguração? Roque exemplifica com a história de um caminhão que teve problemas na estrada e não entregou os produtos a tempo. Nesse caso, lojas próximas disponibilizaram parte do estoque – é a vantagem de trabalhar em rede. O conselho do executivo é acionar a franqueadora e, juntos, pensarem em soluções.
5. Consultor de campo
“É a franqueadora na ponta, lá no balcão, na operação”, resume Andrea Oricchio, da AOA Advogados. Isso significa que, de modo geral, o consultor de campo é a pessoa que vai trabalhar pela uniformidade, pelo sucesso e pelo crescimento das unidades.
No dia a dia, é quem está com o novo franqueado desde o começo, prestando assistência na escolha do ponto, oferecendo informações sobre a reforma e auxiliando na implementação dos padrões da marca. “Muitas vezes, tem o perfil de fiscal, com um check-list enorme, desde a abertura da loja até o fechamento do mês, acompanhando os procedimentos e as rotinas e, principalmente, a loja e o atendimento”, acrescenta a advogada.
O ideal seria que o papel desse profissional fosse menos fiscalizador e mais consultor, mas nem sempre é o que acontece, na avaliação de Almeida, da Multiplicando Sucessos: “Deveria, por essência, ser o melhor gerente da unidade própria da franquia, ser promovido a consultor de campo e dar suporte, fazendo o franqueado ganhar mais dinheiro, fechando as torneiras do negócio e melhorando a performance das unidades franqueadas”.
Compartilhar estratégias, insights de mercado e inovações está no escopo do cargo. Assim como entender que cada ponto tem suas particularidades – de região ou abastecimento, por exemplo – e que isso pede orientações personalizadas.
Passado o acompanhamento mais próximo do ciclo inicial da unidade, as visitas são espaçadas. Cada marca define sua periodicidade, sendo recomendável questionar como vai funcionar antes de fechar o contrato de franquia.
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6. Mix de produtos e entrega
A formulação do primeiro mix de produtos que chega à loja tem uma base: a média histórica das compras dos clientes da marca. Não foi modelado para o consumidor daquele ponto específico, mas tem lastro na experiência de outras unidades.
É bastante possível que um item que seja sucesso de vendas em uma região tenha uma venda pífia em outra, lembra Roque, da Cacau Show. Então, entendido o perfil do cliente daquele ponto após algum tempo, cabe uma negociação com a franqueadora, buscando adequar as compras à realidade local.
Aquele produto que não alcançou bom desempenho vai continuar na prateleira ou na arara – sim, ele ainda vai fazer parte do mix da loja. Como o sistema de franchising prevê, em seu cerne, a padronização, o que está disponível no Oiapoque também está no Chuí, ainda que em quantidades diferentes.
Vencido esse primeiro ajuste, vem o prazo de entrega. Seja produto da franqueadora, seja matéria-prima de fornecedores, é preciso considerar que cada um tem uma maneira de produção e uma logística próprias. “Tem franqueado que deixa o estoque baixar achando que o pedido vai chegar no dia seguinte”, diz Hamada, da Goakira Design.
Para evitar o desabastecimento nos pontos de venda, as franqueadoras criam estratégias. A executiva cita um desconto dado a compras feitas com antecedência. Na Cacau Show, conta Roque, a programação de compras de cada unidade é feita meses antes. Há ainda marcas que trabalham com reposição automática de produtos, identificada pelo sistema, à medida que as vendas ocorrem.
7. Gestão de pessoas
O primeiro desafio do empreendedor é a atração de talentos, segundo Santinoni, da Y Consultoria. “[A escassez de mão de obra] era uma dor muito intensa que a gente via no exterior, com a pandemia, e que hoje também vem com intensidade aqui no Brasil.”
Depois, vem a necessidade de fazer uma seleção efetiva. “A filha de uma amiga está sem emprego. De repente, vou dar uma oportunidade”, diz Oricchio, da AOA Advogados, reproduzindo uma situação bem conhecida no empreendedorismo: a contratação por indicação. Mas, lembra ela, se a pessoa não tem perfil para o cargo, não há treinamento que dê jeito.
Chega o segundo desafio, na avaliação de Santinoni: capacitar os funcionários. Não é separar alguns minutos no mês, mas preparar um cronograma efetivo para que quem está na operação entenda cada vez mais sobre os produtos e as melhores técnicas de atendimento. A franqueadora abastece as unidades de informação, com vídeos, manuais, artigos, podcasts.
Quem está à frente do negócio também tem de permanecer em constante capacitação. Gerente e franqueado vão enfrentar situações como conflitos interpessoais (visíveis ou não). Desenvolver habilidades em liderança, mediação e dinâmicas de grupo, bem como em gestão de conflitos, ajuda a unidade a manter um bom clima organizacional. E isso faz diferença na retenção dos profissionais.
O custo de desligamento é alto, lembra a advogada. Mas, complementa Hamada, da Goakira Design, “não pode ter medo de demitir”: uma pessoa pode começar a comprometer o resultado de toda a equipe.
8. Marketing local
A franqueadora vai fazer campanhas nacionais e disponibilizar material para todas as unidades, remunerados pela taxa de publicidade. Entrou algo novo no cardápio ou na prateleira? Serão enviadas peças de divulgação para redes sociais. Há uma grande campanha no Dia das Mães? Chegarão banners digitais para a promoção dos produtos nessa data.
Caberá ao franqueado e sua equipe fazer suas adaptações e lançar mão desses recursos: ter perfis em redes sociais, imprimir panfletos, desenvolver programas de fidelidade e de pós-venda, investir em SEO (otimização para mecanismos de busca), oferecer descontos – lembrando que tudo o que sair do escopo permitido em contrato deve ser negociado com a marca.
Mas a taxa de publicidade não remunera essas ações? Não. O que for local deve ser colocado em prática pela equipe à frente da unidade. “Existe a expectativa de que a franqueadora vá fornecer tudo”, afirma a sócia-diretora da Goakira Design.
Por lei, explica Andrea Oricchio, essa não é uma obrigação da marca, mas uma responsabilidade do franqueado. Até porque ninguém melhor do que a pessoa que mora na cidade, conhece os arredores e sabe o que acontece ali para desenvolver uma ação personalizada.
A advogada afirma que deve ser feito um trabalho local que independe da franqueadora, como promoções, e cita o exemplo de uma amiga, dona de uma loja de rua, que passou pelos comércios da vizinhança – academia, confeitaria – convidando as pessoas a conhecer seu estabelecimento.
Na dúvida do que fazer, vale reunir a equipe e pensar em possibilidades. É possível também se inspirar nas histórias de franqueados apresentadas na próxima reportagem: eles contam o que fizeram no marketing local para impulsionar as vendas.
9. Suporte
“Tudo o que a franqueadora oferece ao franqueado, em termos de conhecimento, saber e prática, é suporte”, resume Oricchio. Vai desde o trabalho de consultoria de campo até o aprimoramento de processos. Inclui treinamentos (operacional, de produtos, de vendas), ferramentas de gestão, desenvolvimento de sistemas e procedimentos, cursos, intranet.
Muitas redes têm apostado na inteligência artificial, em vídeos curtos e em sistemas de atendimento direto ao franqueado para transmitir esse know-how. Mas isso não dispensa os extensos manuais e os longos vídeos de capacitação que são oferecidos pelas marcas – e nem sempre lidos ou assistidos pelos franqueados.
Toda essa estrutura é usada para que a unidade tenha padronização, informação para diversos cenários e bom desempenho. Roque, da Cacau Show, dá o exemplo de como funciona, na prática, o suporte na melhor época de vendas: a Páscoa, que concentra 30% do faturamento da unidade no ano. O acompanhamento começa pelo sistema, no pedido de produtos feito pela unidade. Se ele sai da média histórica, a franqueadora vai perguntar o motivo. Pode ser uma nova parceria com uma grande empresa ou um momento de dificuldade do empreendedor.
“O franchising, acima de tudo, é uma relação humana”, diz o executivo. “Em inúmeros casos, a pessoa fala: ‘Estou passando por um momento difícil na minha vida’, ou ‘Eu me separei’. A gente vai ver como ajudar.” Com números, foram estabelecidos processos e curva de vendas para avaliação por períodos. Assim, se algum produto encalhar – recordando que cada área tem suas particularidades –, são pensadas, com o consultor de campo, estratégias, como promoções.
A dica dos especialistas é verificar, antes da assinatura do contrato, como é dado esse suporte. Para isso, questionar a franqueadora e consultar franqueados da marca é indispensável.
10. Relação com a franqueadora
“Você está numa rede para ter a liderança da franqueadora, que já viveu a experiência de rodar o negócio. Também está numa rede porque tem pares. A troca é uma parte fundamental da riqueza que é estar no franchising”, resume Santinoni, da Y Consultoria.
É necessário entender que é uma relação entre CNPJs, mas, essencialmente, entre pessoas. E que ela vai passar por um processo de construção, com investimento das duas partes.
Em alguns pontos, é possível que haja uma certa hierarquização – nas estratégias de marketing, por exemplo. “E o franqueado se sente muito alijado desse poder falar, poder pedir, com receio de retaliação”, considera Oricchio. Ainda assim, diz ela, não se trata de um problema de informação ou jurídico, mas de comunicação.
No caso de franqueados da rede, vale o mesmo: a construção de uma relação. O consultor orienta a não tê-los como concorrentes. “São seus parceiros de negócios, seus companheiros de carregar a bandeira da marca. Todas as vezes que eles estão se ajudando, ganha todo mundo.”
Não é preciso um conselho de franqueados, ainda que ele traga mais governança sobre o processo. A própria união informal de quem está em uma mesma reunião pode trazer benefícios.
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